quinta-feira, 2 de julho de 2009

TEMA: “PENAS MAIS RÍGIDAS: RESOLVE?”

Autor: Manoel Firmino Batista

INTRODUÇÃO

"O anseio do povo é ter uma autoridade realmente capaz de discernir e realizar a Justiça. Para isso, a principal tarefa da autoridade consiste em saber ouvir; é o requisito básico, não só para resolver questões no tribunal, mas também para o exercício contínuo de um governo justo. Autoridade justa age sempre a partir de assessoramento que lhe permita ouvir as legítimas aspirações e reivindicações do povo. Em outras palavras, a verdadeira função da autoridade é servir ao povo, que pertence a Deus. Para fazer justiça, em outras palavras, é ouvir o povo que clama pela vida".[1]

A violência (e seus efeitos), no Brasil, é um dos mais graves problemas a ser enfrentado pelo país, e, por isso requer, urgentemente, ações eficazes que possam solucioná-lo de uma vez por todas. No entanto, apesar desta urgência em se encontrar uma solução para o mesmo, não se pode obliterar dos fatores fundantes da violência (suas causas), os quais, se não forem observados, será ledo engano somente adotar medidas extremadas como solução para tal problema. Compreender a importância do que é “fazer justiça”, ou seja, de se ter uma autêntica Justiça capaz de pôr fim às injustiças sociais e os abusos praticados pela minoria dominante da sociedade em detrimento da maioria da população pobre, oprimida e marginalizada deste país (o que contribui para fomentar o ciclo ininterrupto da violência presentificada no país), é o ponto de partida da busca de tão almejada solução.

É preciso refletir e procurar encontrar uma saída para tão grave problema, em que opinamos que não é somente adotando-se penas mais rígidas que tal problema poderá ser solucionado. Urge-se a adoção de um conjunto de ações que venham abranger desde as causas para só então evitar os efeitos danosos da violência, pois, sem primeiramente prevenir suas causas, em vão adianta adotar medidas, por mais rígidas que sejam, para combatê-la, posto que as medidas adotadas sempre só visam os seus efeitos. Há um forte clamor social por “justiça”, embora tal clamor esteja acompanhado de alguns argumentos rebarbativos devido à ignorância da maioria da população quanto a real situação (o ‘por quê’) do problema da violência. O clamor da sociedade por justiça pauta-se na versão oficial dada pelo Estado (em que diz que a criminalidade é a causa da violência) e mantida por boa parte da mídia ideológica e conivente com o mantimento do atual status quo, que é o principal merchindising da chamada “indústria da violência”, em que empresários do ramo faturam alto com seus produtos cada vez mais sofisticados (e caros) oferecidos aos que podem pagar por eles. Desse modo, boa parte da sociedade brasileira ignora as verdadeiras causas da violência pela qual tanto se incomoda, sendo incutida à mesma que precisam clamar por medidas cada vez mais rígidas para combater tal problema.

1. Situação Atual

"A questão da violência não é só física, direta, mas sub-reptícia, simbólica, violência e fome, violência e interesses econômicos das grandes potências, violência e religião, violência e política, violência e racismo, violência e classes sociais. A luta pela paz, que não significa a luta pela abolição, sequer pela negação dos conflitos, mas pela confrontação justa, crítica dos mesmos e a procura de soluções corretas para eles é uma exigência imperiosa de nossa época. A paz, porém, não precede a justiça. Por isso a melhor maneira de falar pela paz é fazer justiça".[2]

Sabe-se que, nos dias de hoje, o “Fenômeno da Violência” é fruto de diversos fatores que são deixados de lado pelas políticas públicas que não garantem os direitos mais elementares regidos pela Lei Magna deste país à sua população, o que contribui sobremaneira para o crescente aumento deste fenômeno. Desse modo, o povo é submetido a uma situação de miséria e de marginalização provocada tanto pela negação de tais direitos como pelos abusos e injustiças por parte da minoria dominante da sociedade. A violência, na verdade, têm se tornado uma fonte de lucros para muita gente (imprensa, empresários, governantes, etc.), além de levar a sociedade a clamar por medidas mais punitivas e rigorosas para os que cometem crimes. Todavia, as leis parecem existir apenas com o objetivo de legitimar tal situação, ou seja, de privilegiar poucos em detrimento de muitos. Senão, vejamos:

"[...] As leis sempre foram armas para preservar privilégios e o melhor instrumento para repressão e a opressão, jamais definindo direitos e deveres. No caso das camadas populares, os direitos são sempre apresentados como concessão e outorga feitas pelo Estado, dependendo da vontade pessoal ou do arbítrio do governante. Situação que é claramente reconhecida pelos trabalhadores quando afirmam que a “justiça só existe para os ricos”, e que também faz parte de uma consciência social difusa, tal como se exprime num dito muito conhecido no país: “para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”. Como conseqüência, é uma sociedade na qual as leis sempre foram consideradas inúteis, inócuas, feitas para serem violadas, jamais transformadas ou contestadas. E onde a transgressão popular é violentamente reprimida e punida, enquanto a violação pelos grandes e poderosos sempre permanece impune".[3]

É fato notório que sempre quando ocorre um delito de maior gravidade, a opinião pública se manifesta pela adoção de leis mais duras para combater o crime, o que leva o legislador brasileiro a elaborar medidas que atendam emergencialmente tal apelo, sem que para isso se faça um estudo fundamentado sobre a finalidade, a aplicabilidade e o sentido de se adotar tais medidas. Atualmente, isto é feito de forma oblíqua pelo legislador, iludindo-se que assim poderá resolver o problema. Todos podem ver que o rigorismo nas leis não têm trazido nenhuma melhora no problema da violência, senão superlotar presídios. O recrudescimento da legislação penal, por si só, não pode resolver a questão da violência. A justiça deve se expressar num conjunto de leis que considerem a totalidade das coisas (causas e efeitos). Do mesmo modo, a injustiça se expressa pela auto-suficiência que se satisfaz em ajuntar liberdades (formando o poder que oprime) e bens (concentração de renda nas mãos de poucos) às custas da exploração. Daí o importante papel da justiça: inverter este processo, promovendo liberdade, dignidade e vida para o povo[4]. Atualíssimo é o seguinte pensamento:

"A lei, vista em termos gerais, é a razão humana enquanto governa todos os povos da terra [...] Elas devem ser de tal modo adequadas ao povo para o qual são feitas [...] Enfim, elas têm relações entre si, têm relações com sua origem, com o objeto do legislador, com a ordem das coisas sobre as quais são estabelecidas. Devem ser consideradas de todos esses pontos de vista".[5]

As leis devem ser criadas obedecendo princípios que não produzam e/ou legitimem injustiças para defender interesses pessoais ou de grupos. Se tais princípios não forem considerados, penas mais rígidas, neste sentido, apenas demonstram a incapacidade e a parcialidade do sistema em resolver os problemas presentificados em nossa sociedade. A violência é um dos maiores mitos da modernidade. Nos tempos antigos, quando se davam os embates entre os gladiadores nas arenas romanas assistidos pelo povo oprimido, tais embates eram mascarados como “pão e circo” pelos Imperadores de Roma. Durante as lutas, uma carruagem distribuía pão para a população faminta que assistia os sangrentos combates. Hoje em dia, temos estes mesmos espetáculos: a violência excessivamente explorada pela maior parte da mídia (circo), dissimulada pelo assistencialismo paupérrimo por parte das políticas públicas (pão). A sociedade precisa se despertar para que possa sair da ‘camisa de força’ que a envolve, ou seja, livrar-se desta realidade irreal, desta justiça utópica e desta política ficcionista, ao invés de somente se limitar a clamar por justiça (embora suas ações demonstrem que buscam vingança). Precisamos sair do sono profundo em que nos encontramos para podermos resolver tão grave problema, certos de que apenas penas mais rígidas não é a solução.

2. O rigorismo penal e seus efeitos

"O exercício da autoridade mais necessário ao povo é o da justiça. Sua função é defender a causa do fraco e do pobre. Para isso, não se pode viciar a interpretação da lei, criando diferenças entre as classes das pessoas julgadas. O mais sério, porém, é perverter a função da magistratura por interesses econômicos."[6]

2.1 A lei dos crimes hediondos

Sabe-se que, em 1990, intencionando combater a criminalidade que atingia taxas altíssimas de gravidade e preocupação, foi aprovada a Lei no. 8.072/90, que introduziu no ordenamento jurídico infraconstitucional a imagem dos crimes hediondos e equiparados. No entanto, esta medida, como de costume, isto é, após o cometimento de algum delito de maior gravidade, veio após o seqüestro de um renomado empresário, que, em caráter de urgência, e na tentativa de debelar o crescimento da criminalidade, o legislador brasileiro entendia que era preciso impor penas e regimes mais rigorosos para impedir a prática de delitos mais graves. Assim, para responder ao clamor da sociedade por justiça, o Congresso Nacional acrescentava o rol dos delitos hediondos e equiparados: a Lei dos Crimes Hediondos, que entraria em vigor a partir de 25 de julho de 1990. Todavia, tal lei, como outras que se originam das mesmas motivações (decorrência de um delito mais grave e intensamente divulgado pela mídia, etc.), já nascia com a sua eficácia comprometida. E por quê? Justamente porque esta Lei não atendia, efetivamente, a uma necessidade social (pois uma lei precisa atender os interesses de uma coletividade, e não os interesses de uma minoria em detrimento da maioria).

Desse modo, o rigorismo da Lei no. 8.072/90, não conseguiu trazer nada de melhoria para a segurança pública. Ao contrário, ao invés de evitar os seqüestros, estes tiveram um sensível aumento desde a implantação desta lei, o que não é novidade com muitos outros delitos mais ou menos hediondos. Desconsiderando tais dados, engana-se quem pensa que necessitamos de leis mais duras. O crescimento desenfreado da violência é fruto de atitudes como esta, e não por causa da “impunidade”, como muitos afirmam. É um erro crasso pensar que medidas mais punitivas e rigorosas sejam capazes de eliminar ou reduzir o quadro endêmico de violência presentificada em nossos dias, pois vislumbram combater apenas os efeitos e não as causas. Paralelamente, o rigor das normas penais têm servido para superlotar os presídios, devido o excesso nas aplicações de sentenças judiciais. Costumo afirmar que, se construíssemos dez novos presídios com mil vagas cada um, num prazo de dez dias, ao final deste, todos eles já estariam lotados em suas capacidades, devido ao excesso de contigente que já superlotam as penitenciárias do Estado, além daqueles que estão nas delegacias e dos mandatos de prisão ainda não cumpridos. O Estado não tem a capacidade de ressocializar os presos e nem de discipliná-los na prisão. Os mínimos direitos dos presos são negligenciados da mesma forma que não se dá a mínima para a ressocialização dos mesmos. Sem atividades laborais, estudo ou qualquer outra atividade que contribua para ressocializá-los, os presos vão se amontoando nas cadeias “esperando por quem não ficou de vir”. O resultado desta ausência (omissão) do Estado, é o aumento da violência e da criminalidade nas ruas e dentro das próprias prisões, em que, tanto numa com na outra, há um “controle da situação” (formação de grupos, facções, gangues, etc.) pela disputa do poder no “submundo” do crime. Encher prisões não significa “vitória” para a segurança pública ou trazer alívio para a população. Em vez de simplesmente se falar em penas mais rígidas, é preciso que as autoridades e a sociedade pensem com tranqüilidade para não cair repetidamente no erro de saídas inócuas e ineficazes (como a Lei dos Crimes hediondos) na tentativa de resolver o problema da violência e seus efeitos.


2.2 Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha prevê penas mais rigorosas para combater e inibir a violência doméstica. No entanto, mais uma vez, um pena mais rígida não surtiu o efeito esperado. Primeiro, porque a referida lei não tem mostrado que agora as mulheres estão mais protegidas nem tampouco que seus companheiros ou maridos estejam menos violentos. Segundo, a Lei Maria da Penha parece que contribuiu mais para que as denúncias de maus tratos sofridas pelas mulheres viessem a diminuir, do que aumentarem, haja vista que elas pensam um pouco mais antes de ir à delegacia, temendo que, ao fazerem as denúncias, os seus parceiros poderão ser presos imediatamente. Diante de fatos como estes, questiona-se a finalidade e as implicações de uma lei como esta. Ocorre que quando se aprova uma lei, não se faz, concomitantemente, uma campanha de esclarecimento e de conscientização junto à população para a importância de uma lei assim. O que adianta elaborar uma lei que visa coibir a violência praticada dentro do seio do lar, e sabe-se que isto ocorre com maior incidência nas casas daquelas pessoas mais excluídas e marginalizadas pelos abusos e injustiças praticadas pela sociedade dominante, se estas mesmas famílias desinformadas e não são conscientizadas para os efeitos desta norma em suas vidas cotidianas e sua forma de aplicação? O Estado limita-se a construir um sem-número de delegacias especializadas para a mulher, além de outras medidas parciais e ineficazes para resolver o problema. Falta a capacitação de pessoas para lidarem com as vítimas, uma reformulação no aparato judiciário para melhor lidar no que se refere à aplicação da referida lei, estruturas adequadas para abrigar os delituosos deste tipo de crime (uma vez que os mesmos são levados às delegacias e prisões junto com os demais criminosos), para que estes sejam reeducados e reinseridos às famílias novamente. Na verdade, o legislador brasileiro, ao elaborar leis, não leva em consideração certos aspectos (sociais, políticos, econômicos, etc.) antes de aprová-las. O que determina a urgente elaboração de leis mais rígidas é a necessidade de resolver imediatamente um problema grave presentificado na sociedade. Todavia, é preciso ser responsável para que a lei aprovada possa cumprir seus efeitos satisfatoriamente, e não tratar-se de um instrumento elaborado precipitadamente ou levado por outros interesses que não sejam o de fazer a verdadeira justiça.

2.3 A maioridade penal

A maioridade penal é outra questão polêmica dentro das discussões sobre como resolver o problema da violência e seus efeitos. Discute-se, há algum tempo, a possibilidade da maioridade penal, isto é, reduzir de 18 para 16 anos a idade penal. Todavia, tal questão é motivada novamente pelo grande número de delitos graves cometidos por crianças e adolescentes em nossos dias, sendo que, vez por outra, os infratores apreendidos encontram-se numa faixa etária cada vez menor (há casos em que o infrator possui menos de dez anos de idade), e, por isso, o legislador já atenta para uma medida mais rigorosa (que é reduzir a maioridade penal), entendendo que reduzir mais ainda a idade penal poderá facilmente resolver a referida questão. Ora, é sabido que uma medida deste tipo é flagrantemente inconstitucional por ferir de morte a garantia de direitos fundamentais, e, acima de tudo, trata-se de uma injustiça, além de não resolver o problema de forma satisfatória. Não se deve obliterar do fato de que o sistema carcerário e a política criminal ineficaz de nosso Estado não consegue atender sequer às necessidades dos adultos transgressores, quanto mais as dos menores infratores que seriam colocados nas penitenciárias junto com aqueles, caso uma medida como esta fosse adotada. Não se pode adotar leis mais rígidas diante do clima de insegurança e da crescente criminalidade amplamente divulgadas em nosso país, pois isto seria pura demagogia falaciosa e hipócrita. A verdade é que a sociedade não despertou ainda para as verdadeiras causas da violência (desemprego, falta de moradia, saúde, injustiça e exclusão social, falta de políticas públicas para o atendimento e suporte à criança e ao adolescente, etc.), e que precisa entender que não é reduzindo a maioridade penal que se resolverá o problema da violência e nem da criminalidade, tampouco diminuirá a quantidade de menores envolvidos em crimes. Reduzir a maioridade penal não significa fazer justiça, mas produzir mais injustiças, posto que isto só serve para omitir as verdadeiras causas do problema: a inexistência de políticas sociais básicas que atendam às necessidades da população, principalmente da classe mais necessitada do povo.

Precisamos entender que, ao se punir alguém que comete um crime (seja menor ou maior, rico ou pobre, etc.), não se leva em conta a sua individualidade, seu lado emocional, psicológico, social, sua historia de vida, seu lado humano, suas particularidades. Tampouco, na fase executória da pena, tem-se a preocupação, na prática, de recuperá-lo. Se a pena intenciona somente punir para trazer uma satisfação social para compensar os prejuízos decorrentes do delito praticado, então o maior prejudicado é a própria sociedade, pois o criminoso dificilmente será recuperado. Todavia, acreditamos que o que se deseja é fazer justiça, e, esta, só poderá ser feita se, na execução penal, conseguir a reeducação e a ressocialização do apenado, habilitando-o ao convívio social novamente. A ressocialização, nos dias de hoje, não passa, em sua maioria, de um improviso, de um mundo de faz-de-conta. Quando acontece, na maior parte das vezes é por iniciativa do próprio apenado, embora quase não receba, por parte do Estado, as devidas condições para isto.

3. O "que fazer" no combate à violência e à criminalidade

"Quando os poderes legislativo e executivo ficam reunidos numa mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece [...] Não haverá também liberdade se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz poderia Ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se uma mesma pessoa ou instituição do estado exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre os cidadãos."[7]

É fato notório que não se faz necessário o recrudescimento penal. É certo que um nível excessivo de prisionalização aumentará ainda mais o contigente de pessoas marginalizadas disponíveis às organizações do crime. A finalidade de uma lei, como se sabe, é de atender os interesses de uma coletividade, e não de pequenos grupos. Para isso, a lei urge aquilo que deve ou não ser feito (sua diretiva), e, ao ordenar algo que possa resolver certo assunto, é, ao mesmo tempo, tanto a favor como contra alguém, pois ela deverá solucionar alguma coisa, senão ela não tem necessidade de ser feita. Ao tomar tal posição, evidentemente, a lei precisa de sérios motivos que lhe dêem apoio e a tornem eficaz, senão ela se tornará inútil (sua motivação). Para que possamos dizer que fazer justiça é tratar a todos igualitariamente, primeiro seria necessário que não houvesse desigualdades. Todavia, diante das injustiças presentificadas em nossa sociedade (opressão, marginalização, etc.), a lei, para ser justa, deve compensar (defender) tais injustiças, sendo, então, instrumento de dignidade e liberdade para todos. Leis mais rígidas apenas têm contribuído para o atual quadro de violência dentro e fora dos muros dos presídios e, até agora, nenhuma solução concreta para o problema da violência. Tais leis, além de não resolver a questão da violência, ferem os seguintes princípios: o da humanidade da pena (Art. 5º , XLVI, da CF), o princípio constitucional da reserva legal (Art. 5º, XXXIX, da CF), o princípio da proporcionalidade e também, até certo ponto, o princípio da ofensividade, por conta da cominação (proporcionalidade em abstrato) ou aplicação (proporcionalidade em concreto) de uma pena evidentemente desproporcional à gravidade do fato (delimitar de forma equívoca uma conduta humana lesiva e punindo-a exasperadamente. O legislador brasileiro, vez por outra, tem cometido alguns exageros, em que sempre acaba violando a própria Constituição Federal.

O que deve ser feito é que ao se elaborar uma lei, esta deve efetivamente ser um instrumento eficaz para aquilo a que se destina. O que implica para o restabelecimento da segurança pública e o combate à escalada da violência adotar-se penas mais rígidas? Não adianta combater violência com mais violência (medidas mais rigorosas), pois isto é tão somente iludir-se quanto ao fato que assim se eliminará o “mal” (violência, criminalidade) da sociedade. Penas mais rígidas, diante da atual realidade social presentificada em nosso país, é sinônimo de hipocrisia e de falácias demagógicas, pois os que conhecem a realidade carcerária de perto, sabem que a prisão não ressocializa ninguém, mas trata-se de mais um fator fundante da criminalidade. Deve-se fazer o que deve ser feito, ou seja, sair dos discursos e partir para a prática concreta de ações eficazes que possam resolver o problema. Para isso, deve-se convocar toda a sociedade para uma discussão séria sobre o problema e aplicar, imediatamente, aquilo que for decidido pelo consenso comum, aplicando as melhores alternativas que atendam tanto aos cidadãos como aos transgressores, pois estes últimos não deixam de ser pessoas e, como tais, precisam ser reeducadas para que retornem ao convívio social novamente, e não banidos disto para sempre.

A sociedade, como um todo, precisa ser conscientizada da real situação (do por quê) da violência. Precisa-se abandonar os discursos unilaterais dos “especialistas” no assunto, os quais, muitas vezes, analisam o problema da violência de forma oblíqua, o que resulta numa espécie de ultimatum, ou seja, de que penas mais rígidas podem resolvê-lo. Antes de tudo, primeiro precisa-se resolver as desigualdades sociais. Sem políticas públicas que atendam ao povo desassistido nos seus direitos mais fundamentais garantidos pela Constituição do país, fica difícil (ou impossível) pensar que apenas recrudescendo a lei, se resolverá a questão da violência. Segundo, precisa-se ter a devida preocupação com os que estão nas prisões e, principalmente, com os seus egressos. Um vez que estes já foram punidos pela falta cometida e cumpriram rigorosamente a pena que lhes foram impostas, demonstrando, enquanto em privação de liberdade (se admitindo que o Estado lhes ofereceu todas as condições necessárias para a ressocialização dos mesmos), então agora o Estado deve cumprir com o seu dever junto aos mesmos, dando as mesmas condições para os egressos. Isto, é claro, não pode ser feito somente pelo Estado, mas também com o apoio da própria sociedade. Também não se quer dizer que com isto vá se beneficiar “criminosos”, mas realmente fazer justiça para todos os que demonstrarem que são pessoas transformadas, ou seja, cumpriram as penas lhes impostas, obedecendo satisfatoriamente as obrigações que lhes foram atribuídas, e agora têm o direito de usufruir dos direitos garantidos pela lei aos mesmos. Claro que a lei deve cobrar, de forma justa, daqueles que demonstrarem um comportamento avesso ao que ela determina. Em suma: Aplicar de forma efetiva a execução penal; elaborar um programa sério de ressocialização das pessoas em privação de liberdade e egressos, estimulando-os ao trabalho, estudo e outras atividades afins que contribuam para sua reinserção à sociedade novamente. Para isso, é preciso que a sociedade como um todo contribua com o Estado na busca de alternativas para que isto seja possível, além de capacitar os agentes e policiais que trabalham nas instituições carcerárias para que se possa ter um melhor relação com os internos, além de oferecer aos policiais e agentes remuneração e condições favoráveis para que executem seus serviços a contento e, assim, combater a atual corrupção presente no sistema carcerário.

Há um universo rico, embora de difícil compreensão, por trás da vida de um encarcerado, desprezado pela sociedade cidadã-justa, que prioriza as aparências, a superficialidade, o materialismo, a fugacidade. Deve-se compreender o estigma de alguém excluído, os riscos por se viver fora da normalidade social. No mundo carcerário, existe violência, injustiça, humilhações, discriminação, preconceito, os mais fracos servindo aos mais fortes, etc. Não é assim também no mundo de nossa sociedade livre? A questão do(a) presidiário(a), do(a) ex-presidiário(a) e do(a) egresso(a), é tão séria e importante como qualquer outra (da fome, do desemprego, do meio ambiente, da reforma agrária, etc.). Acontece que tal questão tem ficado em último plano, por não fazer parte dos interesses políticos de nosso Estado. Os ditos representantes do povo entendem que se investirem na questão da ressocialização das pessoas que estão em privação de liberdade, não terão retorno nas urnas por conta das eleições. O preconceito de tais políticos faz com que se perguntem: “Quem votaria em alguém que adotou medidas que beneficiam ‘bandidos’?” Sem dúvida, há muitos questionamentos a serem feitos (como por exemplo: Por quê um ex-presidiário, que se mostra apto ao convívio social, não pode prestar concurso público?)...

Conclusão

Não precisamos de leis mais punitivas e/ou rigorosas. O que precisamos é de que a lei seja aplicada igualmente a todos, sem exceção. E que a lei não tenha o objetivo seco e estéril de somente punir o infrator, mas que ela possa garantir sua recuperação, sua reeducação, sua reinserção social e que ela trate o infrator como uma pessoa humana que é, que não trate a ninguém com privilégios, mordomias ou regalias, mas trate a todos com justiça e humanidade. As leis não devem ser frias, secas e estéreis, mas escolas de vida, em que aprendemos a viver segundo a justiça, sinônimo de liberdade e dignidade para todos. A verdadeira justiça se faz de forma justa, ou seja, combatendo as leis abstratas que mecanizam o direito e negligenciam as desigualdades humanas. Se assim não o fizer, então a justiça se tornará numa flagrante injustiça (summum ius summa iniura).

Notas bibliográficas:

[1] Nota de rodapé de 1Rs 3, 4-15, Bíblia Pastoral, São Paulo, Paulus, 2005, p.351-352.

[2] FREIRE, Paulo. Construindo a Paz. IN: Almanaque Aluá no. 02. Rio de janeiro, SAPÉ, 2006, p. 35

[3] Chauí, Marilena. Conformismo e Resistência: Aspectos da Cultura Popular no Brasil, São Paulo, Brasiliense,1994, p. 54-55.

[4] Cf. Ivo Storniolo. Como Ler o Livro do Deuteronômio: Escolher a Vida ou a Morte. São Paulo, Paulus, 1992, p. 68-71.

[5] Montesquieu, Charles. O Espírito das Leis (1789) IN: Oeuvres Complètes. Paris: Seuil, 1964, p.530-532. Citado em: Lallement, Michel. História das Idéias Sociológicas: Das origens a Max Weber. Trad. Ephraim F. Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p. 54-55.

[6] Nota de rodapé de Dt 16, 18-20 (Bíblia Pastoral).

[7] MONTESQUIEU, Charles. Op. cit., p. 305.